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Crítica - Djonga: O Dono do Lugar

Mais real e ácido do que nunca, Djonga volta depois de 1 ano e meio para falar sobre a vida como ela é e lembrar a todos que é um dos melhores rappers brasileiros da história.

Album completo


Ahh Gustavo… sempre que você lança um álbum novo é como se fosse uma pedra gigante feita de realidade esmagando a minha vida que estava relativamente calma comparado ao o tanto de coisa importante que se ouve em suas letras e como elas vão impactar minha vida depois de ouvi-las. Como sempre, eu não consigo fazer uma crítica de um disco do Djonga sem escutar pelo menos umas 2-3 vezes o álbum todo e absorver tudo que ele contém, desde suas já conhecidas autocríticas como eu comentei na crítica de NU até as reflexões que ele traz tanto para a sociedade quanto para “os seus”. O texto é meio longo por eu gostar de destrinchar as músicas que ouço, mas garanto que vale a leitura.


O Dono do Lugar, seu 6º álbum de estúdio, já começa explosivo como o Djonga gosta de ser. Em tôbem ele simples chega chegando mostrando que ele está de volta e quer que você saiba disso. Ele fala de suas lutas, as quais não faz apenas por si todos que o seguem e o cercam, e reconhece que elas são importantes pelo impacto que elas causam. Também ele comenta sobre essa parte da sua carreira entre o último disco e esse que estamos ouvindo, onde ele deu uma “relaxada” lançando umas músicas mais “leves” segundo ele mesmo e teve que voltar a fazer “rap pesado”, já mostrando o teor das suas letras nas tracks que estão ainda por vir. Mas o que ele mais quer deixar claro é: independente de falarem e o criticarem, ele “tá bem” e continua fazendo o que gosta.


Já em dom quixote, o papo é sobre a moda atual do mercado de rap onde as letras (ou líricas) “não vendem mais”, porém ele deixa claro que tudo que tem e sua estabilidade financeira e pessoal vêm das tais “rimas que não vendem”. Ainda fala que sua escalada não vai parar por aqui e que ele quer crescer ainda mais; sobre a cultura do cancelamento citando Nego do Borel; sobre aqueles que o criticam por por ter mudado por causa da fama e dizendo que só mudou com os que queriam se aproveitar; sobre os “antirracistas de internet” que não fazem nada quando algo acontece na sua frente; e acaba por citar NU reafirmando que estava inseguro naquela época por “não conseguir se adaptar” a aquele momento de sua vida durante a pandemia.


contatin com participação de Vulgo FK é a clássica ‘love song’ que vemos em álbuns de rap por aí, com o diferencial de que temos uma letra que fala sobre o conhecemos como “relacionamentos sem compromisso” e que não tem nada demais em viver um amor assim. Além disso, há aqui uma certa exaltação à "mulher que muda a vida de um homem” apenas por passar pela vida dele. bala fini reafirma o objetivo que o Djonga é ascender na vida e levar sua galera junto, sonhando em que todo mundo que vem de uma comunidade que nem ele que veio da Favela do Índio tenha um boa condição na vida e sorrir feliz, não precisando entrar pra uma “FAC” ou facção para conseguir tal ascensão. Chega a citar até uma fala de Nelson Piquet que chamou o Lewis Hamilton (brasileiro honorário e homão da porra) de “aquele neguinho lá”, sendo que o Hamilton tem uma história bem maior que a do ‘Piquete’ e merece o devido respeito.

Foto: @coniiin

Agora vem a música que tem uma das letras mais reflexivas e fortes do Djonga, em quase tudo com participação de Feliph Neo. Ela trata sobre a sociedade, preconceitos, costumes, traumas e conceitos que são passados pelas gerações anteriores e que servem de muletas muitas vezes para comportamentos escusos como trair sua esposa porque outra mulher ‘lhe deu condição e conseguir se reconciliar de um possível atrito dando um presente’; sobre sempre o jovem que não tem oportunidade ir para o mundo do crime para morrer cedo; sobre se afastar de uma pessoa querida só por ela ter se assumido como LGBTQIA+, passando a humilhá-lo publicamente e ter medo que ela ‘influencie suas crianças'; sobre pessoas que perdem suas casa para que o lugar se torne uma praça ou ponto turístico graças a desocupação; os guardiões da moral que são uns dos mais sujos quando a verdade vem à tona… enfim, só essa faixa rende um texto inteiro dissecando suas rimas e contextualizando com nossa sociedade. Ela está aqui para falar sobre esse ciclo de costumes antiquados e amorais que vêm sendo passados de geração, quando ele diz “ainda lembro meus pais em quase tudo”. No final da sua reflexão, traz a possibilidade de quebrar esse ciclo dependendo apenas de nós.


Continuando suas críticas sociais e raciais, Djonga traz em conversa com uma menina branca um suposto debate com uma mulher branca onde fica explícito o contraste que há em suas experiências mostrando visões diferentes em diversos contextos, como a suposta ‘menina branca’ diz que teve que vender droga com 25 anos para comprar roupas e o ‘homem negro’ da música tem um primo que entrou pro trafico com 13 anos e que se estivesse vivo aos 25 já teria 12 anos no crime. O objetivo aqui é mostrar como o racismo estrutural atrapalha o desenvolvimento humano entre os dois personagens da curta história aqui descrita. Autoafirmação é o seu segundo nome enquanto Djonga canta bode nesse disco, mostrando que ele não precisa viver de hype ou seguir as trends para fazer sucesso e se ele precisasse ele tava fazendo muito sucesso do mesmo jeito. Se comparando a Michael Jordan, GOAT (Greatest Of All Time, ou Melhor de todos os tempos) do basquete, Djonga aqui diz ser o bode (do inglês goat) e te desafia a encontrar um melhor que ele atualmente. Além disso, ele deixa claro que já lançava tendências antes dessa Era do TikTok que vivemos, e que ele nem precisa fazer esforço para viralizar, pois seus fãs e haters já fazem isso por ele.


Mais uma ‘love song’ aqui em penumbra com a participação de Sarah Guedes, só que dessa vez ele sobre alguém que mexeu tanto com ele que o fez se doar demais e muito rápido para essa pessoa e ela acabou se afastando. Muitas outras tentam entrar na vida dele, mas só aquela que tocou seu coração tem esse lugar cativo, o que faz ficar pensativo imaginando a vida ao lado dessa pessoa. No final temos a resposta dessa pessoa, explicando sua parte da história e dando uma conclusão para a situação.

Foto: @coniiin

Em mais uma letra cheia de sentimentos fortes durante uma conversa com Deus, a cor púrpura retrata os inúmeros abusos de várias naturezas que nossos jovens sofrem e que são manipulados a achar que aquilo é normal, seja por seus futuros sonhos ou as suas vidas estarem em risco. Citando vários exemplos como o do Luva de Pedreiro e o empresário Allan Jesus, abuso de autoridade policial, abuso infantil, violencia doméstica entre outros e que, revisitando a faixa dom quixote, ele até tentava resolver as coisas de ‘um jeito um pouco fofo’ mas que quando percebeu tinha ‘se adaptado’ tornando-se tão violento quanto aqueles ele via. Outra vez falando sobre “quebra de ciclo” ele tenta ensinar a mesma violência que lhe foi ensinada quando mais novo ao seu filho mas o mesmo recusa a fazê-lo, levando-o a refletir sobre suas ações e que aquele simples ato o ‘tocou’ mas de uma maneira diferente das retratadas na canção.


até sua alma com participação de Tasha e Tracie, tem uma letra que exalta a importância das ações dos intérpretes e como elas mudaram suas vidas. Djonga fala sobre o hipersexualização do homem negro, sobre os pró-vida que críticam o aborto e não ligam para as crianças depois de nascidas, sobre ele ser referência para o seu povo citando uma fã que se ajoelhou pra ele num show e ainda cita Ladrão onde ele falou que ia pegar o patrimônio dos ricos e distribuir em sua ‘quebrada’. Tasha fala sobre a ascensão da carreira, onde tudo mudou e que ela quer continuar crescendo com aqueles que a cerca. Tracie fala sobre todos que a criticavam e chamavam de pobre e hoje querem ser amigos agindo por interesse, e como aquilo a atormentava antes de entender que ela era mais do que as pessoas falavam dela e que quer todos os seus ‘mais forte’.


Junto a Oruam, Djonga relata a vida do crime nos morros em do menor. As letras relatam como o dinheiro e o pseudo sucesso que a vida do crime dá aos jovens fazem eles criar um “rei na barriga seboso e gordo” e que é uma comemoração passar dos dezoito. É retratado a situação de um assalto onde um dos assaltantes morre pela ganância de buscar mais dinheiro, sobre as meninas que tentam ser ‘mulher de bandido’ sabendo já o que as esperam, sobre os pais aparecerem e sumirem como vagalumes no escuro e como não há saída dessa vida perigosa.


Fechando bem, Djonga acompanhado de Dougnow nos apresenta em giz uma reflexão sobre o que realmente é a ostentação tão criticada por vários setores da sociedade. Dizendo que “pra quem nasceu rico, é fácil falar que é ostentação” ele nos faz entender que muitas dessas pessoas que conseguem melhorar suas condições de vida acabam por gastar mesmo e mostrar que podem comprar aquilo porque eles nunca tiveram tal poder de compra antes e que isso realmente sobe a cabeça, mas está tudo bem. Ainda em sua letra mostra as diferenças de sua própria vida antes e como ela está agora onde por exemplo ele diz que “cresceu assistindo Carandiru e a sua filha assiste Masha e o Urso” ou que já cometeu exageros como ter ido em uma loja e comprado tudo só para provar que podia comprar tudo. Mesmo assim ele endereça outras reflexões como homens pretos serem homenageados só quando morrem (o que me lembrou Will de Joyner Lucas, valendo vocês procurarem depois) e sobre seus tipos de problemas mudarem por conta da sua condição financeira mudar mas que eles ainda são problemas os quais ele agradece por ser mais banais dos que antes ele tinha. Tudo isso enquanto ele se manteve real e lutou por aquilo que conquistou.

Foto: @coniin

Não tenho nem palavras para descrever a qualidade dos beats e produção de Coyote Beatz, Dallas, Honaiser e Rapaz do Dread, que fez com que cada música passasse a emoção e sentimento pensado quando foi concebida. A qualidade do áudio também não é problema aqui, muito longe disso por sinal.


Por fim, Djonga chega com mais um disco impactante e vai nos fazer ouvi-lo por inúmeras vezes nos serviços de streaming até que venha sua próxima pedrada para gerar ondas no rio calmo das nossas vidas cotidianas. Qualquer nota que não fosse 5 acarajés seria canalhice minha.


Nota: 5 Acarajés gigantes e cheios de rimas que não vendem mais.

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