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Crítica: Divertidamente 2

O que você sente que sabe sobre você?



Pela Divertida Mente de mechas rosas de Marina Branco :)


O que você sente que sabe sobre você?


Acho que, quanto mais a gente cresce, menos consegue responder a essa pergunta. Porque na infância, é tudo muito simples. Eu sabia quem eu era. Sabia que meu nome era, ao mesmo tempo, Marina e Nina. Sabia que tinha cabelo cacheado, e dois dentes grandes na frente. Sabia que meus pais me amavam, e que eu amava minha irmã. Sabia que eu era inteligente, e que ler um livro sempre me deixaria feliz. Eu não sabia muito. Mas sabia mais do que o suficiente. Eu não sabia sobre o mundo, a política, a violência, o trabalho. Também não sabia sobre as festas, as liberdades e as viagens. Mas eu não precisava saber. Tudo cabia no mundinho que morava na minha mente, e era só nele que eu precisava viver.


Aí, a gente cresce. E as emoções, que antes eram poucas e simples, passam a ser muitas e complexas. As noções de quem nós somos começam a se confundir. Minha cor preferida é mesmo rosa, ou me ensinaram que deveria ser? Eu quero mesmo ser médica, ou eu prefiro escrever? Quem eu achava que me amava, realmente me ama? E eu, gosto de mim?


As dúvidas da adolescência cabem perfeitamente no roteiro lindo e complexo de Divertidamente 2. Enquanto a Riley faz treze anos e começa a descobrir o mundo além dos próprios sentimentos, novas emoções começam a chegar, e bagunçar tudo que antes parecia estar tão bem posicionado. A misturar cores diferentes em uma mesma memória. A desafiar a soberania da Alegria. A trazer, junto com a idade, novas coisas para sentir.


É assim que chegam, na sala de comando, quatro novos rostinhos. A Inveja, deslumbrada por tudo que pertence ao mundo, e não a você. O Tédio, cansado de tudo aquilo que um dia pareceu tão incrível, mas você agora sabe tanto, que deixou de ser. O Vergonha, que insiste em esconder todas as partes de você que tanto fazem sentido no seu coração, mas que o mundo não quer te deixar ter. E a Ansiedade, que promete te proteger de tudo e todos - até mesmo de você. 


Usando a imaginação da Riley que um dia serviu para criar amigos imaginários e montar dias de brincadeira, as novas emoções passam a controlar a sala de comando em tensões sem fim. E se você não passar no teste de hóquei? E se a treinadora não te convocar? E se suas amigas se decepcionarem? E se a menina mais incrível do time não te quiser lá? E se ninguém gostar de você? E se você não gostar de você?


Acho que nenhuma frase pode definir mais essa sensação que vem com a adolescência e troca cada “e se der certo?” por um “e se der errado?” quanto a da própria Alegria. “Eu não consigo parar a Ansiedade. Mas talvez crescer signifique exatamente isso - sentir menos alegria”. É nesse passeio pelas novas emoções e confusões que o mundo de Divertidamente nos apresenta o que pode ter sido a maior sacada da Pixar em todos os seus filmes sentimentais.


Entre Soul, Red: Crescer é uma Fera, Viva: A Vida é uma Festa e até mesmo o primeiro Divertidamente, esse estúdio parece ter se tornado especialista em espelhar na tela cada pessoa assistindo, levando as lágrimas e deixando mil perguntas. E o grande trunfo do maior lançamento Pixar é justamente esse - questionar quem nós somos. 


Na sala de comando da Riley, surge o “senso de si”. Um ponto luminoso formado por todas as convicções que ela formou ao longo da vida, sobre si mesma e sobre o mundo. As mais simples, como um “eu não gosto de brócolis”, estão lá, formando sua personalidade e quem ela é. As mais complicadas, como um “eu sou uma pessoa legal”, também. Enquanto o enredo não muito elaborado vivido externamente pela Riley se desenrola, nós mergulhamos com ela na descoberta das convicções que nós mesmos temos sobre a vida. Nas frases que ouviríamos se fôssemos até a parte mais profunda das nossas mentes, como fazem as emoções da sala de comando, para encontrar nossas convicções. Para formar nosso senso de si.


Em uma fase onde quase todo mundo se perde de quem é, a história de Divertidamente nos convida a descobrirmos quem fomos, quem somos, e a soma de tudo isso. A dar muitas risadas, ouvir muitas piadas feitas especialmente para a dublagem brasileira, e sentir (ou ver em tela) a nostalgia que relembra as sensações do primeiro longa.


Mas, mais que isso, as emoções da Riley voltam te chamando para encontrar o seu senso de si. Para superar a eletricidade que paralisa a sua Ansiedade, e abrir espaço para que a Alegria nunca deixe de tocar a mesa de comando, mesmo nas épocas mais adultas. Para que você perdoe o mundo e a si mesmo por algumas coisas. E, quem sabe, saia da sala de cinema com duas novas convicções. A primeira, que Divertidamente está muito longe de deixar de ser o maior acerto da Pixar, e uma das melhores animações da história. E a segunda, que sempre há mais a descobrir sobre você - e que a Alegria, misturada com muitas e complicadas emoções, sempre pode voltar a prevalecer.


Nota: Cinco acarajés


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